Indignação Ética: Quando a Defesa Ultrapassa os Limites da Urbanidade Processual

No contexto de um trágico acidente de trânsito ocorrido em Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul, uma família enlutada busca justiça por meio de uma ação indenizatória contra a empresa de transporte coletivo responsável pelo atropelamento que resultou na morte de um parente próximo. Os autores, dentro de seu direito constitucional de acesso à justiça, pleiteiam reparação por danos morais, pensionamento e despesas funerárias, invocando a responsabilidade civil da ré pelo ocorrido.

A defesa apresentada pela empresa de ônibus, em vez de se limitar a argumentos jurídicos e probatórios, recorre a expressões injuriosas e desqualificadoras, ofendendo diretamente a dignidade dos parentes da vítima.

A defesa imputava acusações graves, como afirmar que os autores teciam “afirmações falsas”, alteram “a verdade dos fatos” e buscam “imputar culpa inexistente com o intuito de obter vantagem financeira”, rotulando suas alegações como “lamentável e atentatória à moralidade”. Tais termos não apenas insinuam má-fé por parte da família, mas também os retratam como oportunistas contaminados pela “industrialização do dano moral” e pelo “ganho fácil através de aventuras jurídicas”.

Foi com imensa revolta e repugnância que se manifestou contrária a abordagem jocosa e ofensiva da defesa da empresa de ônibus, uma vez que a dialética processual utilizada na defesa se transformou em um instrumento de agressão emocional contra parentes que já sofrem com a perda irreparável de seu familiar.

Mas ao tomar conhecimento do recente acórdão da Segunda Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), onde aquele tribunal em caso idêntico condenou o uso de expressões inadequadas em peças processuais, se deu o alento de manifestar (Acórdão nº 5025396-25.2022.8.24.0018, originário da Comarca de Blumenau/SC – em um caso de ação de indenização por danos morais decorrente de injúria racial (racismo) contra um trabalhador terceirizado, em que a defesa do réu adotou linguagem inadequada e ofensiva).

No entendimento unânime do colegiado, a insinuação de má-fé ou a desqualificação da busca por reparação viola os deveres éticos da advocacia, compromete a confiança no sistema de justiça e afronta os compromissos constitucionais e processuais.
O TJSC, ao determinar o envio de ofício ao Conselho de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para apuração de condutas incompatíveis com a advocacia combate a esse tipo de conduta, pois reforça que a imunidade profissional do advogado não é absoluta e não cobre excessos que configurem ofensas pessoais podendo gerar responsabilização ética e disciplinar.

Espera-se a mesma postura rigorosa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e da OAB/RS em casos idênticos posto que é imperioso repudiar veementemente essa postura em que, em um processo sensível envolvendo a morte de um familiar em atropelamento, opta por agravar o sofrimento dos parentes com ofensas pessoais em vez de contribuir para o esclarecimento técnico dos fatos.

A advocacia deve ser exercida com elevação, respeito e civilidade, promovendo o debate ético sem recorrer a ataques que desonram a profissão e erodem os fundamentos do Estado Democrático de Direito. Que casos como esse, onde a defesa ofende os parentes da vítima em meio a uma busca legítima por justiça, sirvam de alerta para que a OAB e os tribunais intensifiquem a vigilância ética, garantindo que o processo judicial seja um espaço de reparação, não de revitimização.

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